19 de jun. de 2012

Jogo da Onça ( Estadinho)


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"O Jogo da Onça é o único jogo de tabuleiro difundido entre parte da população indígena brasileira de que se tem registro. Conheci-o por meio da pesquisa “Jogos Indígenas do Brasil”, promovida pela Origem , que identificou as seguintes etnias Indígenas detentoras do jogo: os Manchineri, no Acre; Guaranis, na Ilha do Cardoso (sul do Estado de São Paulo); Bororos, no Mato Grosso. Logo na sequência, compartilhando esse jogo com os grupos com os quais trabalhava, acabei descobrindo que parte dos Ticunas, da Amazônia, e algumas pessoas do Pará e Sul de Minas o conheciam. Em geral, jogavam em tabuleiros riscados no chão, usando sementes ou pedras como peças.

Embora seja um jogo difundido pela população indígena nacional, não podemos considerá-lo genuinamente brasileiro, já que sua estrutura provém da família de jogos da Índia e do Sri Lanka, conhecida como "cordeiros e tigres". Estes, por sua vez, são jogados em tabuleiros muito parecidos com o milenar alquerque. Vê-se, portanto, que essa família de jogos é internacional, tem membros em diversos cantos do mundo. Provavelmente os índios brasileiros já o conheciam antes do descobrimento, por intermédio dos incas, no Peru, que tinham um jogo similar, com o nome de "puma e carneiros".

A peculiaridade desse jogo para dois participantes é que os adversários disputam em condições diferentes: um é o mais forte (onça), porém está em menor número (apenas um), e outro é mais fraco (cachorros), mas está em maior número (catorze).

O objetivo da onça é capturar cinco cachorros, e o dos cachorros, imobilizar a onça, cercando-a de forma que não tenha saída.

Inicia-se o jogo com os cachorros dispostos nas intersecções das três primeiras linhas horizontais da base do tabuleiro, opostas ao triângulo do extremo superior, e a onça na intersecção central, ladeada por dois cachorros à direita e dois à esquerda. Os dois jogadores podem andar uma casa de cada vez, escolhendo qualquer um dos pontos adjacentes do tabuleiro.

A onça realiza a captura do cachorro cada vez que salta sobre eles, retirando a peça saltada do tabuleiro. Pode, como na dama, realizar saltos duplos ou triplos. Os cachorros imobilizam a onça quando esta não tem mais para onde ir.

Esta é uma dentre as tantas versões de regras da família de jogos Cordeiros e Tigres. O bonito neste jogo, e em todos os outros, é compartilhar as regras ou, em determinados contextos, desobedecê-las deliberadamente a elas, dando origem a outras jogadas. O livre desfrute do jogo e a permeabilidade que ele tem às mudanças é que o mantêm vivo. Afinal, não faz parte da vida a flutuação das regras?

A pergunta: “vamos jogar?” soa como um convite: - vamos inventar novas regras? Ou para recuperar as antigas e inventar as futuras. E assim concebemos novos jogos. "

( Trecho do livro: Quer Jogar? Edições Sesc SP - Adriana Klisys e Carlos Dala Stella)

5 de jun. de 2012

Consumir a vida com consumo?



 
Há relatos de que certa vez, diante de uma carroça de quinquilharias que vendia de tudo, o filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) teria dito, com um largo sorriso satisfeito: “De quanta coisa na vida eu não preciso!”.

Se estivesse vivo hoje e pudesse passear por um shopping center, o filósofo ficaria ainda mais surpreso com a maneira como consumimos além do essencial. Às vezes é preciso um olhar estrangeiro para nos acordar dos sonhos de consumo em que vivemos atualmente. Será que precisamos de tanta coisa? Como foi que caímos nesta armadilha que associa felicidade ao poder de compra? Slogans publicitários como “o mundo trata melhor quem se veste bem” mostram claramente que não importa o que a pessoa é, e sim o que ela tem. São esses os valores que queremos ensinar aos nossos filhos?

É preocupante esta forma de organização social que deixa para as novas gerações o ensinamento de que devem ser consumidoras vorazes, ter mais brinquedos do que uma escola tem em seu acervo, mais sapatos do que poderia calçar uma sala de aula inteira, ter sempre além do necessário e estar permanentemente insatisfeitas por não terem o mais novo lançamento. Preocupante porque, dentro dessa lógica, a necessidade de ter muitas vezes ocupa o espaço de estar com as pessoas e compartilhar momentos de lazer, como apreciar uma bela música, caminhar em um parque, ler um bom livro, visitar museus e bibliotecas públicas da cidade, preparar seu próprio alimento, aprofundar uma brincadeira, ocupar o tempo com o ócio de uma boa rede...

Mesmo que estejamos conscientes de que o consumo exagerado é insustentável, o fato é que ainda estamos longe de vislumbrar um modelo diferente de sociedade. Por que será que grande parte da população brasileira tem como principal referência de lazer para si e para seus filhos os shoppings centers?

Cada vez mais o espaço do lazer e do brincar fica relacionado ao consumo, e por trás disso, educando gerações inteiras, está sempre a mensagem subjacente de que para interagir com o mundo se deve comprar, comprar e comprar. Mal aprendem a falar e a frase “mãe, compra…” já faz parte do repertório. Logo cedo aprendem, inclusive, que há mecanismos sociais criados justamente para favorecer a compra: “não tem dinheiro… então usa o cartão de crédito!”. E as crianças vão crescendo embaladas por este forte apelo consumista.

Pode-se dizer que a organização atual da sociedade gira em torno desse apelo. Basta ver a quantidade de propagandas direcionadas às crianças: comerciais e embalagens de produtos cada vez mais convidativos, lançamentos cuidadosamente pensados para seduzí-las e vincular mais profundamente o desejo e o prazer ao consumo. Nessa perspectiva, não é exagero afirmar que os anunciantes veem seus filhos mais como potenciais compradores (ou influenciadores da compra) do que como crianças que têm o direito de brincar, aprender e desenvolver sua afetividade num meio livre de ostentação.

Para concorrer com esse bombardeio apelativo ao consumo veiculado pela mídia, há que se mostrar a elas caminhos mais interessantes do que o prazer fácil e fugaz do consumo. Procure formas de refletir e atuar contra isso se não deseja que seus filhos sejam presas fáceis deste modelo de vida que os consome. Sim, porque este modelo consome o tempo de ser criança e, sobretudo, de experimentar mais das relações humanas do que das relações mercadológicas, como bem mostra o lúcido documentário “Criança, a alma do negócio” de Estela Renner.

Dizer “não” em alguns momentos não é simplesmente frustrar seus filhos, é cuidar da sua saúde psíquica, é dar limites. Todos nós precisamos de limites para nos desenvolver. O limite é essencial à nossa constituição mental e física. Sem o limite da pele seríamos uma massa amorfa; sem o limite na ingestão de alimentos, nos tornamos obesos; sem o limite da consciência social e da cidadania tornamos a Terra um local de entulho, lixo e toda a sorte de descartáveis; e assim por diante.

Hoje, mais do que nunca, nós e a geração recém-chegada ao mundo devemos nos perguntar do que realmente precisamos para viver, não só para poder ter uma passagem plena e culturalmente rica pela vida, mas também para não banalizar a própria existência, que não se limita à riqueza material. Afinal, quanto maior a riqueza material, menor a riqueza de nossas reservas naturais. É mais do que sabido que se todos os habitantes da Terra consumissem de forma semelhante aos habitantes de países desenvolvidos (como os Estados Unidos) precisaríamos de pelo menos quatro vezes mais planetas para atender a todos.

Ao contrário do que pode parecer, a alternativa não é negar o consumo, afinal dependemos dele para viver. Sem consumir alimentos não vivemos, sem consumir roupas passamos frio, sem consumir combustível não nos deslocamos com facilidade por grandes distâncias. O importante é olhar criticamente para tudo o que é excesso. O problema é que em geral o consumo está desvinculado da necessidade real. Será que para brincar e se divertir seu filho precisa mesmo consumir?


(trecho de uma das matérias "Dicas de consumo consciente em família" que escrevi para o site http://www.akatumirim.org.br/)  /   Colagem: Carlos Dala Stella)