6 de jan. de 2012

Balanço n´alma


Sinto falta de balanços para adultos pelas praças e parques, brinquedos de brisa no rosto, frio na barriga, prazer para o corpo ao gerir o próprio movimento. Falo desse objeto concreto, brinquedo predileto de minha infância, mas também de modo simbólico. Gostaria de compartilhar mais com o universo adulto uma forma lúdica de vida, menos sisuda, mais solta e regida pelo desejo que põe em movimento. E ver mais balanços n´alma da gente crescida.

As manifestações artísticas e culturais sensíveis, a meu ver, são balanços n´alma. O mundo está repleto delas, nem sempre valorizadas.

Recordo-me agora do marabaixo, uma dança tradicional do Amapá, preservada entre os quilombolas de Curiaú, que herdaram de seus antepassados africanos a dança-forma de resistência ao cativeiro. Os passos precisavam ser curtos e arrastados, uma vez que os pés estavam acorrentados. Ao som dos tambores, a dança é preservada até hoje, em conjunto com outras mais soltas, e nos mostram o empenho desses antepassados para encontrar formas de embalar o corpo, mesmo presos a pesados ferros que precisavam mover. Admirada ao presenciar uma dança com tamanha força de expressão, pensei naquele instante que só podia ser possível inventar uma coreografia daquelas em uma situação desfavorável, pois há um lado lúdico da humanidade que nunca se deixa escravizar.

Vivenciar uma forma lúdica de vida é vislumbrar outras realidades, transportar-se para outras esferas, com uma força de vontade tal que transforma os sentidos do mundo, quebra as correntes.

Um correspondente ao marabaixo que rompe amarras e nos eleva a outro patamar é a música. Sinto isso quando ouço “Variações Goldberg”, de J. S. Bach, ou os presentes para a alma de nosso mestre Antônio Carlos Jobim.

A música é balanço suave ou agitado, conforme a ocasião. A melodia e a harmonia se transformam em balanços debaixo de árvores frondosas. O impulso nos eleva aos ares, por um instante, para depois nos devolver à terra. O azul do céu e o marrom-avermelhado do chão batido se intercalam.

(trecho do livro Quer Jogar? Texto: Adriana Klisys; Desenho: Carlos Dala Stella - Edições SESC SP

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