24 de mai. de 2010

Substância Lúdica na Vida Adulta


[foto de Joel Rocha]

Esse desenho, de um conjunto de 98, de Carlos Dala Stella faz parte do livro QUER JOGAR? - mote para a TERÇA LÚDICA de amanhã, 25.
A seguir, 2 textos que escrevi, usados para divulgação junto à imprensa das Terças Lúdicas.

Brincar, brincar e... Brincar!
As Terças Lúdicas na vida adulta.


As Terças Lúdicas são vivências estéticas, criativas e culturais permeadas de um toque sutil de brincadeira para adultos que não querem esquecer o lado inventivo da infância.

Estes encontros pelo brincar são destinados a todos os adultos que querem desfrutar de uma experiência lúdica: agentes culturais, empresários, artistas, profissionais liberais e toda gama de curiosos e desejosos de entrar no jogo. De periodicidade mensal, têm três horas de duração (19:00-22:00) e a programação se encontra no site da Caleidoscópio (www.caleido.com.br).

A cada encontro uma ou mais brincadeiras, jogos, brinquedos e artimanhas saem do baú, revelando o legado cultural e transformador deste processo, instigado sempre por um brincante profissional que tem na autoria de seu trabalho uma intimidade com o processo construtivo que é a brincadeira, este “compromisso descompromissado”. Comprometido consigo mesmo e descompromissado de cobrança alheia e por isso tão constituinte.

A Terça Lúdica é um espaço privilegiado para as pessoas que participam serem protagonistas e de alguma forma brincarem. Um espaço de vivência cultural, de encontro, sobretudo de criação. Não tem o caráter formal de um curso (de trabalho) e sim de convivência e troca mais informal (de jogo) que é a brincadeira.

Na Terça Lúdica o conteúdo principal é o brincar, um encontro pretexto para a brincadeira, e esta por sua vez, pretexto para conhecer. Uma interação brincante mediada por um assunto instigante alimentado por um domínio técnico e um saber cultural da especialidade do convidado, que é sempre alguém que tem autoria em seu trabalho, essa mesma autoria que acompanha uma boa brincadeira.

Silvina Martinez, arquiteta argentina, participante de uma das terças lúdicas, por ocasião de sua passagem pelo Brasil, comenta a respeito desta vivência: “não sabia que no Brasil se brinca tão a sério!” Sua fala nos remete ao verdadeiro papel da brincadeira, que é convocar a melhor inspiração dada por uma situação de escolha e vontade de participar de uma atividade por sua gratuidade, sem fins utilitários imediatos. Não é à toa o envolvimento de uma criança em sua atividade lúdica, não é à toa o arrebatamento do adulto que se permite participar de atividades lúdicas!

Os assuntos das Terças Lúdicas, sejam eles relacionados ao campo do universo dos jogos propriamente ditos, ou das artes, da cultura, são pretextos então para brincadeiras, para estar junto, para interagir tanto com outros quanto com o conhecimento. Pretexto para estabelecer vínculos.

Estes encontros são para celebrar vida e por isso mesmo cuidamos da recepção com duas mesas bem servidas, uma de alimento físico com quitutes e outra com alimentos culturais, composta com livros, jogos, brinquedos e/ou materiais que tenham a ver com o assunto da Terça. Às vezes a mesa de alimentos culturais se estende para a parede em forma de projeção de slides ou filmes que tenham a ver com o assunto. Este tempo de receber os convidados já faz parte da proposta e do entrosamento do grupo.

Depois deste aquecimento iniciamos com uma breve apresentação da proposta e conteúdo através de fala, dinâmica, vídeo ou apresentação de slides. Na seqüência, temos propostas práticas onde todos coloquem a mão na massa, possam criar, brincar, se movimentar, cantar... Isso a depender da proposta, claro! Parte do que aconteceu nas terças lúdicas até então pode ser conferido no blog da Caleidoscópio, através do site www.caleido.com.br

Este trabalho que completa seu nono mês de vida e que já ganhou muitos adeptos e até convite para o registro da experiência em livro nasceu da idéia de criar um espaço de se sonhar com o universo de possibilidades que é a brincadeira, com um futuro mais brincante! É por isso que começamos desde já, no presente, a brincar, a sonhar.

Quem quer entrar na brincadeira, seja muito bem-vindo(a)!

Adriana Klisys


Idealização da Terça Lúdica

As Terças Lúdicas nasceram da idéia de convidar adultos a jogar. Um convite a se deparar com a inventividade do universo lúdico.

A brincadeira é pouco presente em empresas, ambientes de trabalho, na sociedade como um todo e até mesmo em lugares onde deveria existir com força, como nas escolas. A meu ver isso ocorre devido à valorização da produtividade (trabalho) em detrimento do processo (jogo). Por isso a escolha intencional de criar um espaço informal de jogo, mobilizar gente grande para a riqueza do universo de gente pequena.

Brincamos pouco na vida adulta por conta de demandas e afazeres, isso somado a termos uma sociedade pautada no consumo e na produção. O jogo é um caminho diverso da produção, é o caminho do processo, da gratuidade da experiência, do ócio e do desfrute.

Uma sociedade que se quer mais criativa poderia dosar melhor momentos de jogo e trabalho, processo e produção e criar espaços lúdicos coletivos para todas as idades.

A sociedade se desenvolve, mas em matéria de ludicidade se atrofia. Brincamos cada vez menos porque deixamos de investir no que corresponde à substância lúdica na vida adulta que poderia dilatar mais nossa experiência sensível no mundo.

A idéia de promover as Terças Lúdicas nasce da observação de que vamos deixando de lado nossa natureza lúdica, somada a esta constatação a minha própria experiência pessoal e profissional na Caleidoscópio Brincadeira e Arte que partilho a seguir.

Em primeiro lugar retomar a brincadeira na vida adulta há tempo faz parte do meu trabalho de formação lúdica de educadores. Logo percebi que a teoria do brincar não funciona se não é colocada lado a lado com a prática. Os convites constantes feitos a grupos de adultos para brincar, construir brinquedos e jogos, me ensinavam que isso alargava tanto a experiência criativa deles como a minha, passando a virar metodologia de trabalho tais chamados para o jogo.

Um segundo aspecto que motivou a criar a Terça Lúdica foi a observação que o mundo do trabalho tem se distanciado do aspecto lúdico e criativo. Tal percepção se tornou mais apurada quando desenvolvi uma proposta lúdica para filhos de funcionários da Hedging-Griffo, uma empresa ligada ao mercado de valores. O trabalho consistia em levar filhos de funcionários a conhecerem o universo de trabalho dos pais e proporcionar-lhes uma vivência lúdico e cultural. Ao realizar tal proposta deparei-me com a questão oposta: eram os pais que precisavam olhar mais para o rico universo dos filhos. Isto me fez pensar em criar brinquedotecas dentro de empresas. A idéia não foi para frente, mas… no lugar surgiu a Terça Lúdica, que é oferecida, inclusive a empresas.

Uma terceira experiência pessoal também me motivou à fazer as Terças Lúdicas: a constatação que meu próprio trabalho voltado à temática lúdica precisava ser mais permeado pela brincadeira.

Por ocasião de um trabalho de formação lúdica para toda a equipe de apoio da Rede de escolas da Prefeitura de São Paulo me deparei com um grupo de trabalho maravilhoso, dentre os quais: Chico dos Bonecos, Cyrce Junqueira e Renata Meirelles que me convidaram a brincar seriamente. Dos encontros para planejar as propostas lúdicas para a rede pública, surgiu nesta equipe a questão que deveríamos aproveitar o potencial do grupo de brincantes ali presentes para nos divertirmos com as brincadeiras propriamente ditas. Planejávamos o brincar, mas não brincávamos?!

Renata Meirelles foi quem primeiro apontou essa incoerência e propôs ao grupo de brincantes algo muito óbvio que seria brincar e não só planejar a brincadeira. Passamos então a nos reunir para brincar e dali a pouco o espaço da brincadeira se tornou maior que o planejamento e isso alimentava e animava numa escala muito maior o próprio planejamento.


Com estas experiências de vida acumuladas comecei a vislumbrar que gostaria que meu próprio trabalho fosse um espaço para cavar o direito de brincar na vida adulta. E como toda boa brincadeira não é imposta, mas é um convite, pensei em estender este convite justamente para a parcela da população que se encontra mais afastada desta experiência. Afinal, o direito de brincar não deve ser exclusividade do universo infantil.


A brincadeira é um convite a toda idade. Todo profissional que trabalha com criação deveria brincar mais e, neste sentido, todas as áreas do conhecimento sem exceção envolvem a criação.

O trabalho criativo tem muito a ganhar com a possibilidade de brincar, de imaginar possibilidades, de se por a disposição, como fazemos numa brincadeira, sem saber ao certo o rumo a tomar.

O estado da brincadeira de não controle absoluto da situação, de não saber exatamente para onde ela vai é justamente a sua riqueza. Abre caminhos inimagináveis, justamente porque o imprevisto é condição da brincadeira. O imprevisto, em certo sentido é infinito, ao contrário da previsto, finito em possibilidade.

Uma sociedade menos exclusivista poderia compor melhor o imprevisto, que é a brincadeira, com a previsibilidade. Vivemos num mundo altamente previsto. onde há previsão econômica, previsão do tempo, de colheita, de tudo o que se pode imaginar. A brincadeira é um espaço completamente oposto a isto, onde nada está previsto de antemão, e por isso mesmo ganha a dimensão ampla do desconhecido, daquilo que pode vir a ser.

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